Como se define a hiperatividade?
O termo deriva de uma avaliação psiquiátrica, estando o diagnóstico baseado numa perspetiva biológica. Quer isto dizer que as causas desta patologia são atribuídas a disfunções biológicas no cérebro que se atribuem principalmente a causas genéticas e hereditárias. No entanto, a investigação clínica demonstra que há outros fatores associados. A hiperatividade não é por si só uma condição, mas o sintoma de uma conjugação de fatores. Podemos considerar a hiperatividade como um sintoma de ansiedade nas crianças. Como as crianças ainda têm poucas capacidades de resolução de problemas que as preocupam, quando vivem em permanente estado de angústia, tendem a manifestar agitação motora e dificuldade de concentração. Embora não seja exatamente a mesma condição, imagine-se um adulto que, quando está ansioso, tem dificuldade em estar concentrado no trabalho e demonstra um estado físico de tensão.
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Qual é o quadro clínico para uma criança ser diagnosticada com a patologia?
O diagnóstico no sistema nacional de saúde é feito com base no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), que discrimina uma lista de 9 critérios, dos quais a criança deve cumprir 6 para que seja considerada hiperativa. O mesmo critério aplica-se para o diagnóstico de défice de atenção. Até à edição DSM-IV-TR, o diagnóstico juntava hiperatividade com défice de atenção, atualmente são categorias diferentes. Alguns desses critérios são agitação motora quando está sentado, corre ou salta em situações em que é inadequado fazê-lo, tem dificuldades em esperar pela sua vez em atividades. Na clínica psicanalítica são considerados outros fatores para analisar este quadro. Tenta-se perceber de que forma é que a criança se relaciona com quem lhe é mais próximo e que preocupações e inseguranças vive em função disso. Nestes casos, tendencialmente são crianças que se preocupam muito com as expetativas externas, têm uma autoimagem de quem não tem muitas competências intelectuais e por isso sentem muito medo de falhar, principalmente em objetivos académicos. Também são crianças que frequentemente imaginam que podem ser um transtorno para os adultos e, por isso, sentem que não podem obter grande afeto e apoio dessas relações.
O que faz um remédio para a hiperatividade?
A medicação típica é o metilfenidato (Ritalina, Concerta), que é uma anfetamina que aumenta a produção e reaproveitamento de neurotransmissores no cérebro, como por exemplo a dopamina e a norepinefrina. Estes neurotransmissores têm a função de produzir prazer em resposta a acontecimentos positivos na vida do indivíduo, recompensando a aquisição de novos conhecimentos ou capacidades (aprendizagem), progresso nas relações sociais, relações emocionais e outros eventos. O aumento artificial da dopamina vai ativar a sensação de recompensa e deixar a criança com uma pseudo-sensação de confiança. No entanto, a recompensa não deriva necessariamente do processo de aquisição interna de competências, ou de uma real satisfação de bem-estar.
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Segundo os dados da DGE (2015) as crianças até aos 14 anos estão a consumir mais de 5 milhões de doses por ano de metilfenidato. Como atua a medicação psiquiátrica no cérebro de uma criança?
Em traços gerais, o efeito da medicação psiquiátrica não é o de produzir a cura sobre uma doença fisiológica, como quando tomamos antibióticos para matar uma bactéria e ficamos curados. A medicação tem o efeito de compensar quimicamente sentimentos negativos que provocam uma desorganização na vida da criança. Estando a criança com os sentimentos controlados através da medicação, talvez consiga perceber as alterações a introduzir na própria vida, mas não necessariamente, daí a medicação ser verdadeiramente útil quando utilizada em paralelo com uma psicoterapia, cujo objetivo é ajudar a encontrar recursos internos para superar as dificuldades.
Passou a ser anormal uma ‘criança não parar quieta um segundo’, como se queixam muitos pais?
Tem-se vivido um período em que é normal considerar as crianças como doentes quando estão simplesmente a ser crianças que, naturalmente, precisam de brincar, correr e de ter atenção dos adultos. Parece-me que se tem atribuído às crianças um problema que não é delas, mas que é fruto de um cansaço generalizado de uma sociedade que vive sujeita a demasiadas horas no local de trabalho, gerando pais cansados e consequentemente com pouca energia para dar resposta às necessidades das crianças, nas áreas que vão além do dar comida, lavar e vestir.
Quais são as consequências de medicar uma criança sem qualquer estudo prévio que confirme a hiperatividade?
Apesar do medicamento não causar dependência química, segundo sugerem estudos sobre o assunto, quando se medica uma criança cujo organismo já dispõe de neurotransmissores que permitem que a criança mantenha a atenção, introduzir uma medicação que aumenta a produção desses neurotransmissores pode levar a que a criança sofra dos efeitos secundários que são mencionados na bula do medicamento: irritabilidade, variações de humor, etc. Muitas vezes os efeitos psicológicos são mais marcantes que os químicos, uma vez que a forma como se apresenta o diagnóstico à criança faz com que sinta que tem um defeito de nascença e que só conseguirá “funcionar” corretamente se tiver a ajuda da medicação, deixando-a emocionalmente dependente da medicação e com falta de confiança.
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A ausência dos pais pode resultar num deficit de atenção?
Os pais têm uma função cuidadora que se desdobra em várias vertentes. Além dos cuidados básicos, são tutores e um exemplo nos quais as crianças se baseiam para imitar. É na relação com os pais que a criança percebe que comportamentos adotar para se ir adaptando no dia-a-dia, e é com eles que pode ir conversando sobre as dificuldades que vai vivendo na escola, com os colegas, ou qualquer que seja o assunto importante para elas. Se as crianças não têm esta função de apoio emocional, mesmo que sejam fisicamente cuidadas e que não sejam maltratadas, viverão angústias inerentes ao crescimento que se manifestarão através de vários sintomas como a dificuldade em manter a concentração.
Como devem lidar os pais com filhos diagnosticados com hiperatividade?
Em primeiro lugar não devem viver as dificuldades e necessidades dos filhos como um problema ou uma doença crónica que lhes assombra a vida, porque decorrerá numa atitude penalizadora para os filhos, quando na realidade eles necessitam é de apoio. Com base no pressuposto de que as crianças hiperativas necessitam de desenvolver recursos interiores para lidar com as dificuldades e medos inerentes à vida de uma criança e de tempo para se sentirem realizadas na relação com os pais através da interação com eles, o processo não é complexo. Passa por conversar com a criança para perceber como foi o dia delas e conversar sobre as coisas boas e as coisas más que aconteceram, tentando ajudá-la a perceber como encarar e resolver o que aconteceu. Como as crianças interagem principalmente através da interação física com o mundo, precisam de brincar e da participação dos pais. Pode parecer uma tarefa árdua ao início, mas fazendo o esforço de tentar ver além desse aspeto a brincadeira com as crianças pode tornar-se uma atividade bastante divertida, relaxante e gratificante para os adultos, mesmo que implique gastar algumas calorias!
E como devem gerir a sua própria frustração?
As crianças não devem ser responsabilizadas por condicionantes que não lhes dizem respeito. As crianças exigem muita atenção e esforço, e este fator deve ser tido em consideração quando se pensa em ter filhos. Naturalmente, não é suposto os pais terem uma paciência e disponibilidade inabaláveis, mas há um meio-termo que é determinante que exista. Há brincadeiras e atividades com as quais os pais podem não se identificar de imediato, e daí ser frustrante ter que dar resposta às necessidades e a toda a energia que a criança tem. No entanto, as crianças também são bastante recetivas quando os pais fazem esforços para que elas se integrem nas rotinas dos adultos, o que as torna mais satisfeitas e calmas com a relação com os pais. O défice de atenção não é uma doença da criança, é uma necessidade!
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Que importância tem a escola na vida destas crianças?
A escola é o espaço onde a criança passa a maior parte do seu tempo. Se a comunidade escolar catalogar as crianças hiperativas como problemáticas não estão a assumir uma postura construtiva perante a criança. Por outro lado, se a comunidade escolar estiver sensível à questão, de forma a sensibilizar os alunos e os professores a adotarem um comportamento compreensivo com as crianças, elas terão um espaço em que se sentem acolhidas. As crianças com défice de atenção necessitam de um acompanhamento mais próximo para compreenderem a lógica das matérias e têm um ritmo de trabalho mais demorado do que os outros colegas. Havendo respeito para com as necessidades, a escola terá um papel construtivo na vida destas crianças.
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Para além da medicação, que outros tipos de soluções existem para amenizar os sintomas da hiperatividade?
A medicação pode ser parte da solução quando utilizada em paralelo com outras estratégias que ajudem a criança a aprender a não se olhar como alguém inferior e a perceber como lidar com as relações afetivas de uma forma em que se sinta mais segura e tranquila. Mas há que ter consciência de que a medicação não cura a hiperatividade, apenas a ameniza, criando um sentimento artificial que tende a desaparecer quando o efeito passa. As crianças convencem-se de que precisam daquele medicamento para “funcionar” corretamente. A psicoterapia individual e/ou coordenação com pais e escolas para a sensibilização de como interagir com estas crianças serão soluções recomendáveis. Os sentimentos são produto da relação com o exterior. Se nos sentimos bem, é o resultado de uma relação saudável com um ambiente saudável. Se nos sentimos mal, ou estamos a fazer algo de uma forma que não está a ter o efeito desejado, ou estamos em contato com alguma coisa que nos está a ser prejudicial. Quando se sofre, o dilema interior é perceber o que está a funcionar mal e como intervir na situação. As crianças hiperativas necessitam que a escola respeite os seus tempos de aprendizagem e que as famílias tomem a iniciativa de interagir com a criança e de que conversem sobre o dia a dia para poderem das respostas às necessidades que tenha. Em casos de irritabilidade, os pais não devem castigar nem ralhar com a criança, mas antes estimular a criança a explicar o que a deixa zangada. Acima de tudo, é necessário paciência, carinho e disponibilidade.