Em 1961, o psicólogo Stanley Milgram realizou uma série de experiências sobre a obediência, na Universidade de Yale, com o objetivo de compreender a relação das pessoas com a autoridade. A ideia surgiu na sequência do passado da sua família, de ascendência judia, perseguida pelos Nazis e pelas conhecidas atrocidades levadas a cabo nos campos de concentração. Milgram pretendia compreender a disposição dos sujeitos para obedecer a uma figura de autoridade que os instrui a praticar atos que vão contra a sua consciência.
Sob o pretexto de testar a capacidade de aprendizagem nos seres humanos, a experiência envolveu uma dinâmica entre dois voluntários, um aluno e um professor, sem contacto visual entre si durante a experiência. Ao voluntário no papel de professor foi indicado que deveria punir o aluno sempre que houvesse uma resposta errada, através de uma máquina de eletrochoques, numa escala cresceste (de 50 até 450 volts). Os choques serviam um incentivo à aprendizagem. O voluntário aluno, membro da equipa de Milgram, emitia sons de desconforto e gritos (pré-gravados) a cada choque recebido. No estudo, participaram mais de 700 pessoas e a maioria continuou a infligir os choques depois de serem incentivados a continuar e assegurados que não seriam responsabilizados. Durante a experiência alguns sujeitos riam nervosamente ou apresentaram outros sinais de stresse extremo quando ouviam os gritos de dor vindos do aluno. Embora a maioria das pessoas se mostrasse constrangida e uma minoria entusiasmada, os choques eram aplicados mesmo depois de o aluno gritar de dor, pedir para interromper a experiência e até deixar de se manifestar, aparentando ter desmaiado ou falecido. Ainda assim, nenhuma destas reações foram suficientes para que a maioria dos participantes se recusasse a continuar não sabendo que a máquina não dava choques e as reações do aluno eram simuladas.
Será a prova de que o ser humano, na sua essência, é sádico?
O ser humano quando nasce vive um leque de emoções primárias, o que quer dizer que são pouco elaboradas e pouco educadas para a socialização. Raiva? Ataca-se. Prazer? Consome-se tudo o mais rápido possível. Somos, na essência, animais dominantes. Já reparou como a maioria das crianças brinca quando não tem supervisão de adultos? Um autêntico campo de batalha! Quer isto dizer que as crianças são, na sua essência, más? Não, significa que na nossa essência nascemos com propensão para comportamentos agressivos e dominantes, mas que também nascemos com propensão para compreender outros estilos de relação mais funcionais, desde que para isso sejamos sensibilizados.
Daí que as sociedades tenham evoluído ao longo dos séculos. Ao longo do desenvolvimento é suposto os jovens serem educados para pensar de uma forma mais ponderada, responsável e respeitosa. Quanto maior a formação individual, maior será o sentido de competência humana. Os que aprendem a valorizar as capacidades intrínsecas tornam-se pessoas confiantes. Os outros, que ficam inseguros, tornam-se controladores e desesperam por poder.
A experiência de Milgram não demonstra que o ser humano é essencialmente cruel. Mostra que a crueldade é um sentimento que faz parte do ser humano, mas, mais do que isso, que a maioria das pessoas tem dificuldade em lidar com decisões complexas quando envolvem vários sentimentos, como a com que são confrontados na experiência: a decisão de provocar dor a alguém, quando há uma figura de autoridade que assume a responsabilidade. Algumas pessoas fizeram-no porque, de facto, teriam uma propensão elevada para a agressividade, mas a maioria fê-lo por não ter uma capacidade de decisão madura o suficiente para confrontar a autoridade.
Talvez o sentido ético da experiência seja chocante. Mas o verdadeiro choque social foi a revelação de que a maioria das pessoas não contrariou as ordens que recebia, mesmo que não concordasse com o princípio e tenha participando de livre vontade. A decisão complexa culminou com a maioria dos participantes a assumir uma atitude infantil de submissão, abdicando da sua liberdade de escolha.
Para mais reflexões, apenas acrescento a sugestão de que veja o filme, numa sala de cinema perto de si.